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Médicos terão que declarar vínculos com farmacêuticas e empresas

Foto: Marcelo Leal / Unsplash

Nos simpósios e congressos da área médica é praxe os profissionais de saúde, ao iniciar as exposições, deixar claro os conflitos de interesse em relação a uma pesquisa ou estudo. Ou seja, se está falando a convite de uma farmacêutica ou se a pesquisa foi feita com apoio de determinada empresa. Mas na relação entre médicos e pacientes nem sempre estas relações são conhecidas ou explicitadas. Não eram, pois, a partir de março de 2025, todos os médicos do Brasil vão ter que divulgar se têm algum tipo de vínculo com empresas da área de saúde. É o que determina uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), divulgada este mês, que estabelece limites nas relações entre médicos e indústrias farmacêuticas, de insumos e equipamentos médicos. As novas regras determinam que todos os médicos que possuam qualquer tipo de vínculo devem informá-lo na plataforma virtual do Conselho Regional de Medicina (CRM) em que estão registrados. No leque de parcerias estão desde contratos formais de trabalho até consultorias, participação em pesquisas, atuação como palestrantes remunerados, os chamados speakers, ou até mesmo entrevistas e presença em eventos públicos. Para o presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), Otávio Marambaia, a resolução formaliza diversos pareceres já previstos no Código de Ética Médica. “A proibição de relações de comprometimento prescricional e indicação de materiais, como órteses e próteses, já existia. O que a resolução vem estabelecer é que o profissional precisa declarar sua relação com a indústria e tornar público se há conflitos de interesse ao tornar pública qualquer indicação em palestras, por exemplo”. Apesar de não mudar substancialmente a vida do paciente, acredita Marambaia, a medida, se for cumprida, vai garantir segurança do melhor tratamento disponível, sem viés mercantil. “A quase totalidade dos médicos está habituada às boas práticas técnicas e éticas. Não vemos nenhuma dificuldade para o cumprimento da resolução”, pontua. Mas, caso isso não aconteça, o médico poderá responder a um processo. “Sendo denunciado, o médico terá que informar a sua versão durante uma sindicância de praxe e, havendo indícios de infração, responderá a processo ético-profissional com direito a ampla defesa e ao contraditório”, detalha. Segundo o próprio CFM, a iniciativa responde à preocupação sobre a influência das indústrias de saúde sobre a prática médica. Todos os anos, a indústria farmacêutica gasta milhões de reais para bancar viagens, palestras, e congressos. Em seis deles, as empresas desembolsaram cerca de R$ 200 milhões com profissionais de Minas Gerais — único estado onde os valores são divulgados. Ele afirma que uma das preocupações da entidade é como essas novas medidas irão impactar pesquisas e atividades não remuneradas, como a indicação de médicos como fontes para a imprensa. “É importantíssima a manutenção do compromisso com a ciência, pesquisa e desenvolvimento e seus processos igualmente rigorosos para garantir que os tratamentos que chegam à sociedade, tanto no sistema público quanto no privado, sejam parte da solução de políticas públicas que garantam mais saúde e qualidade de vida às pessoas”. Neurologista e vice-reitor da Escola Bahiana de Medicina, Humberto de Castro Lima Filho acredita que a resolução vai ser bem acolhida pela maioria dos profissionais e será um ganho de poder para o paciente. “Entendo como algo positivo, uma forma da população em geral ter mais acesso à informações. Vários médicos são pesquisadores, por exemplo, então precisam deixar isso claro”, afirma, lembrando que médicos não podem fazer propaganda de medicamentos. “Me surpreende se for mal recebida pelos médicos, pois é uma ferramenta para aumentar a transparência e a maioria deles têm condutas éticas claras”, pontua. Outra situação corriqueira, diz, é a contratação de especialistas pelas farmacêuticas para dar palestras sobre determinado produto. “Estes dias fui convidado para assistir a uma palestra em um evento, então acho importante saber se o médico é pesquisador da empresa ou se foi contratado para a palestra”, reforça Humberto, que também é coordenador do curso de medicina. Ele diz que , pessoalmente, se sente mais confortável em não fazer palestras contratadas por empresas, mas não vê problemas, já que essa é uma “prática mundial” do setor. Só esse ano, o Procon baiano já recebeu .1084 registros na área de saúde, com a maioria das queixas em relação aos planos de saúde ou clínicas e hospitais. Mas se o paciente tiver dúvidas quanto à prescrição médica, a diretora de Atendimento do órgão aconselha primeiro buscar o diálogo. “O paciente deve solicitar maiores informações a respeito do que está sendo prescrito, deve procurar saber se não há outras alternativas para aquela condição e, por fim, sempre buscar uma segunda opinião”, diz. Contudo, em caso de conflito de interesse, pode recorrer ao Procon ou ao próprio CRM “e buscar indenização pelos danos materiais ou morais eventualmente sofridos”.

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